segunda-feira, 21 de abril de 2008

Viu-o sentado numa mesa para dois e não hesitou, como pensou que faria antes de entrar. Tinha começado a chover quando saiu de casa por isso estava num estado miserável. A água escorria-lhe pela face e ela, sabendo que isso lhe dava um ar irresistivelmente sexy, não se dava ao trabalho de se limpar. Gostava que os homens olhassem para ela e na verdade ninguém naquele restaurante ficou indiferente à sua entrada. Ninguém a não ser Peter que, lendo a ementa, espreitava pelo canto do olho tentando parecer distante e distraído.
- Estás mais gordo! - atirou Marie como cumprimento oficial. A voz saiu-lhe um pouco ríspida demais mas queria evitar qualquer tom que fizesse Peter sonhar com reconciliações.
- Viva, Marie - respondeu calmamente Peter, ignorando o comentário desagradável. - Estás toda molhada. Não queres ir à casa de banho secar-te enquanto te peço um chá bem quente? Ainda ficas doente...
Marie surpreendeu-se com a atitude imperativa de Peter. Não estava habituada a que ele fosse o elemento forte da relação. Era sempre ela que dava as ordens, que fazia os programas, que escolhia os filmes no cinema, que decidia o que iriam comer nos restaurantes. Assentiu com a cabeça e dirigiu-se à casa de banho para despir as roupas molhadas e tentar ficar um pouco menos desconfortável. Quando viu o seu estado no espelho, sorriu para si mesma, pensando que depois dos 30 tinha ficado mais bonita. Pousou as mãos sobre o ventre e acariciou a barriga. Ainda não se notava a sua gravidez, apesar dos 4 meses. E no entanto, o seu estado conferia-lhe uma tranquilidade no olhar que só as mulheres grávidas têm. O seu principal receio era que Peter percebesse e isso ia deitar tudo a perder. Se ele imaginasse que esperava um filho seu jamais a deixaria partir e neste momento Marie sabia que não podia ficar ali.
Quando voltou à sala já tinha à sua espera um chá de maçã com canela e dois scones acabados de sair do forno. Estava a gostar daqueles mimos. Mas precisava de se concentrar.
- E então, Peter, o que tens de tão importante para me dizer que te fez vir até Londres?

sábado, 12 de abril de 2008

Quase, quase...

Ela julga que eu sou louco. Só porque tinha que ir duas vezes por semana à psiquiatra isso não significa que seja louco. Acho eu. E achava a médica também pois, segundo ela lhe dissera, "o senhor sofre de transtorno bipolar, e isso não é uma só doença, mas uma categoria de trasntornos do humor definida pela presença de um ou mais episódios de humor anormalmente elevadas, clinicamente referida como mania", recordava-se Peter de quando ela lhe lera a definição no grosso volume de termos psiquiátricos que guardava numa estante do lado direito da secretária. Ou seja, doente sim, louco não, que estes estão encerrados em hospícios, pensou com tristeza.
Muitas sessões e dezenas de caixas de comprimidos depois ainda vivia pontualmente episódio ora maníacos, ora depressivos. Os momentos de mania chegavam a ser violentos, com ilusões e alucinações que o deixavam à beira do desespero, mas os momentos depressivos eram igualmente esgotantes, chegando a ter vontade de se suicidar e acabar com tudo de uma vez por todas.
A tudo isto Marie tinha assistido e em tudo o tinha amparado. O problema é que ele nunca lhe tinha revelado o porquê de todas as mudanças súbitas de humor, mascarando igualmente as idas à psiquiatra, dizendo que ia a uma psicoterapeuta para "resolver coisas suas". A verdade é que a namorada - poderia ainda chamar-lhe assim? - estava convencida que ele era doido varrido, que se drogava e que mais dia menos dia lhe poderia fazer mal, agredindo-a ou mesmo matando-a. Por isso o deixara. Sob o pretexto de mais uma viagem em missão de solidariedade, aproveitara para levar tudo o que tinha de seu da casa de Lisboa e mudar-se para a casa que a mãe lhe deixara em Londres.
Peter tinha agora uma última oportunidade para lhe contar a verdade, antes que Marie partisse para Lhasa, cerrando de vez a porta que ela começara a fechar com a última carta que lhe escrevera.
Finalmente chegou ao restaurante. Optou por por pedir ao chefe de sala que o conduzisse à mesa que reservara, num canto discreto e acolhedor, longe do barulho da sala principal, e onde esperava obter de Marie um sim ao seu pedido para que ela voltasse a Lisboa.
Já sentado e mal tendo acabado de abrir a carta de vinhos, vislumbrou pelo canto do olho uma figura feminina que acabava de entrar. Uma mulher atravessava a sala principal, e dirigia-se à sua mesa, com passos firmes e decididos.

terça-feira, 8 de abril de 2008

Bruxelas, 6 de Julho de 1996

- PÁRA! Porque é que continuas a vir atrás de mim?
- Porque eu quero explicar-te tudo...
- Mas já explicaste tudo! Eu não quero perceber-te mais! Pára de me tentar compreender! Aceita simplesmente. Não quero mais!
- Mas tudo corria tão bem... tínhamos tantos planos...
- Tinhas! E tens tantos planos! Mas eu estou aqui hoje! Estou a viver hoje! Não consigo viver a pensar constantemente que hoje tudo é mau e amanhã será melhor!
- Eu não penso isso! Estás a ser injusta...
- Injusta?!?! Falas de filhos... Falas de reforma... Falas de tudo o que queres fazer, mas nem um dia consegues ficar em casa comigo....
- Tu! Tu é que estás sempre ansiosa por viajar... não consegues ficar na mesma cidade um mês!!

quarta-feira, 2 de abril de 2008

- Pára Marie, Pára! Escusas de te atormentar mais. Não és mulher para te entregares a um homem inseguro e dependente. Na tua vida sempre procuraste mais e melhor. Para quê te entregares a alguém tão imaturo e dócil!?! Chegarão os anos perdidos a aturar tamanhos caprichos e doentios ciúmes.

As respostas que o espelho lhe deu, acalmaram-na por magia. Questionava-se agora perante a necessidade sentida de ir a casa trocar de roupa. Pegou na sua camisola turquesa de tweed e calças de ganga. Não havia nada a conquistar, nem a alcançar. Ia apenas, durante um almoço que pretendia ser civilizado, dizer pessoalmente a Peter tudo aquilo que tinha escrito naquela carta que pensou ser decisiva. O louco, porém, insistia em acossá-la na sua cidade de adopção.


Vestiu a sua gabardina, ajeitou a sua longa e farta cabeleira ruiva e saiu do seu apartamento em Prince´s Gate, Kensington. Um apartamento herdado de sua mãe que lhe permitia ter um local de retiro entre viagens. Passou pela porta do Goethe Institute e caminhou na direcção do Metro. Voltava uma chuva miudinha incomodativa. Acelerou o passo, evitaria chegar atrasada.