sábado, 12 de abril de 2008

Quase, quase...

Ela julga que eu sou louco. Só porque tinha que ir duas vezes por semana à psiquiatra isso não significa que seja louco. Acho eu. E achava a médica também pois, segundo ela lhe dissera, "o senhor sofre de transtorno bipolar, e isso não é uma só doença, mas uma categoria de trasntornos do humor definida pela presença de um ou mais episódios de humor anormalmente elevadas, clinicamente referida como mania", recordava-se Peter de quando ela lhe lera a definição no grosso volume de termos psiquiátricos que guardava numa estante do lado direito da secretária. Ou seja, doente sim, louco não, que estes estão encerrados em hospícios, pensou com tristeza.
Muitas sessões e dezenas de caixas de comprimidos depois ainda vivia pontualmente episódio ora maníacos, ora depressivos. Os momentos de mania chegavam a ser violentos, com ilusões e alucinações que o deixavam à beira do desespero, mas os momentos depressivos eram igualmente esgotantes, chegando a ter vontade de se suicidar e acabar com tudo de uma vez por todas.
A tudo isto Marie tinha assistido e em tudo o tinha amparado. O problema é que ele nunca lhe tinha revelado o porquê de todas as mudanças súbitas de humor, mascarando igualmente as idas à psiquiatra, dizendo que ia a uma psicoterapeuta para "resolver coisas suas". A verdade é que a namorada - poderia ainda chamar-lhe assim? - estava convencida que ele era doido varrido, que se drogava e que mais dia menos dia lhe poderia fazer mal, agredindo-a ou mesmo matando-a. Por isso o deixara. Sob o pretexto de mais uma viagem em missão de solidariedade, aproveitara para levar tudo o que tinha de seu da casa de Lisboa e mudar-se para a casa que a mãe lhe deixara em Londres.
Peter tinha agora uma última oportunidade para lhe contar a verdade, antes que Marie partisse para Lhasa, cerrando de vez a porta que ela começara a fechar com a última carta que lhe escrevera.
Finalmente chegou ao restaurante. Optou por por pedir ao chefe de sala que o conduzisse à mesa que reservara, num canto discreto e acolhedor, longe do barulho da sala principal, e onde esperava obter de Marie um sim ao seu pedido para que ela voltasse a Lisboa.
Já sentado e mal tendo acabado de abrir a carta de vinhos, vislumbrou pelo canto do olho uma figura feminina que acabava de entrar. Uma mulher atravessava a sala principal, e dirigia-se à sua mesa, com passos firmes e decididos.

2 comentários:

Hugo disse...

eu, pessoalmente, quando vou à psiquiatra e não quero que saibam ou suspeitem que sou doente, minto e digo que fui à psicoterapeuta. é que ninguém fica a achar que sou maluco na mesma :P

Anónimo disse...

Eu, pelo contrário, quando vou à psicoteraputa, minto e digo que vou sempre à psiquiatra, assim tenho descontos na "caixa".
IN-culto